Trancar
o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o
tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na
quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é saudade.
Saudade
de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai
que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade
de uma cidade. Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa. Dóem
essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a
saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade
da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e
ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o
escritório e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o
dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o
amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como
deter.
Saudade é não saber. Não saber
mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela
continua pintando o cabelo de vermelho. Não saber se ele ainda usa a
camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o
dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido -frango assado,
se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na
Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele
continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele
continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua surfando,
se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o
que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como
encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as
lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um
silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se
ele está com outra, e ao mesmo tempo querer. É não querer saber se ela
está feliz, e ao mesmo tempo querer. É não querer saber se ele está mais
magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais saber de quem se
ama, e ainda assim, doer.
Martha Medeiros (1961) é escritora gaúcha. A dor que dói mais foi publicado originalmente em 20 de Julho de 1998 na extinta coluna assinada por ela no site "Almas Gêmeas". Circula desde então pela internet falsamente atribuído a Luis Fernando Verissimo, Arnaldo Jabor e Miguel Falabella.
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